Vida de acadêmico
Um convide à reflexão sobre questões importantes que nos movimentam e nos paralisam na vida acadêmica.
Vida de acadêmico
Um convide à reflexão sobre questões importantes que nos movimentam e nos paralisam na vida acadêmica.
Este espaço é livre a quem queria escrever Reflexões, Relatos e Repetições do mundo acadêmico.
Para participar, entre em contato pelo e-mail: gustavo.lara@up.edu.br
As dores e as delícias de um pós-graduando
O título não é nada original, assim como não é novidade pra ninguém que a vida do pós-graduando costuma ser um caos. Lembro que quando entrei no mestrado eu não fazia a menor ideia do que estava por vir. Eu, que vinha de uma trajetória profissional focada na área editorial e nas artes - especialmente no teatro -, ingressei no mestrado porque queria ser professora. Mas eu não sabia que, junto com o sonho de me tornar docente de uma universidade, haveria mais um desafio: o de me tornar uma pesquisadora.
O caminho para se tornar um(a) pesquisador(a) envolve vários dilemas: Que disciplinas cursar? O que pesquisar? Qual tema? Com qual enfoque? Que teorias utilizar? Em quais autores se basear? Qual a base epistemológica do estudo? Qual o tamanho da amostra? Pesquisa qualitativa ou quantitativa? Quem vai ser o orientador? O tema de pesquisa é inédito? O estudo será, de fato, relevante? Vai gerar algum tipo de contribuição para a sociedade?
Todas essas questões geram muitas dúvidas e inquietações, mas eu arrisco dizer que há um desafio ainda maior para todo pós-graduando, que é conseguir conciliar as demandas acadêmicas com as outras esferas da vida. Isso porque é necessário muita dedicação. O envolvimento de um pós-graduando - seja em nível de mestrado ou de doutorado - com sua pesquisa exige uma imersão e um aprofundamento que vão muito além daquele breve contato com os conteúdos com o qual muitos de nós fomos acostumados durante boa parte da nossa vida escolar. É preciso ir além das nossas crenças, questionar ideias preconcebidas e compreender que a verdade, conforme destaca Gadamer, não é um método.
O processo de entendimento hermenêutico de mundo proposto por Gadamer pressupõe atos de interpretação dialógicos. A verdade não é um método porque ela acontece no diálogo, ou seja, em uma conversação constante a qual está inserida dentro da tradição. E não há nada mais verdadeiro do que isso na vida de um pós-graduando: é por meio das leituras, mas, principalmente, das discussões e debates que um pesquisador consegue fazer sua leitura de mundo. E esse é um dos maiores ganhos desse processo: as amizades que se estabelecem durante esse processo.
Mas, ainda que haja muita parceria, essa caminhada é marcada por uma grande solidão. E é por isso que é tão importante buscar apoio, pois só quem vivencia a experiência da pós-graduação consegue compreender a dimensão e o impacto que esse processo tem na vida de uma pessoa. Seja pela quantidade imensa de textos que lemos e que boa parte parece que não entendemos absolutamente nada, pelos inúmeros compromissos sociais que temos que abrir mão para poder estudar, pelas madrugadas em claro que passamos realizando pesquisas e elaborando textos que muitas vezes parecem não estar fazendo sentido algum, pela preocupação com os prazos, pela falta de tempo para que possamos nos dedicar mais, pelos erros e frustrações que são inevitáveis durante o processo, estamos todos no mesmo barco.
Como diz o ditado, ninguém disse que seria fácil. Mas também pode ser desafiador, instigante e recompensador. Que possamos fazer dessa trajetória um processo de transformação, não apenas individual, mas, principalmente, gerando contribuições que tragam melhorias para a nossa comunidade e, quiçá, para a sociedade como um todo.
Fernanda Albanaz
Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas, aprendendo a jogar
Minha entrada no doutorado é fruto de uma decisão consensual. Sem o incentivo da minha parceira de vida eu não estaria aqui. Temos objetivos comuns, todos passíveis de realização. Desse modo, minha expectativa ao longo desse percurso é progredir, pessoal, intelectual e profissionalmente.
Nesse sentido, apenas após atingir certa maturidade é que me dei conta da importância dos estudos. De uns tempos para cá isso ficou claro. Estudar significa viver de forma impermanente e não linear. É inquietação e satisfação ocupando um mesmo espaço no terreno mental.
Bom, gostaria de dizer que “quando eu estou aqui, eu vivo esse momento lindo”, em se tratando emoções relativas ao doutorado. Parece jocoso evocar el “Rei” Roberto Carlos para expressar meus sentimentos cotidianos quanto aos estudos. Todavia, não é. A justificativa está logo aqui: habita-me tanto a aridez de certos aprendizados, quanto a alegria de outros que me aprazem. “Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas, aprendendo a jogar”, conforme uma bela canção interpretada por Elis Regina. É assim que me enxergo atualmente.
A despeito de estar apenas começando, noto mudanças. Os impositivos do doutorado, o cumprimento de obrigações tem me dado fôlego. As leituras, reflexões, entregas e manifestações por ocasião das aulas exige o melhor de mim. Logo, o fortalecimento na perspectiva intelectual é visível. Uma contribuição marcante, proveniente desses três meses de vivência, é uma mudança de postura quando leciono. Preparar aulas, selecionar casos, debater com os alunos, tem sido mais proveitoso. Consigo avançar para terrenos antes inexplorados. Aprofundamos os debates de uma forma mais técnica e menos teórica. Ou seja, o que entrego aqui ao programa me fortifica, tonifica. Hoje tenho mais repertório. Avancei intelectualmente em se tratando de subsídios para lecionar. Minhas aulas agora tem mais qualidade.
Por outro lado, a solidão envolta ao processo me incomoda. Ainda não me acostumei com isso. Por exemplo, nesse exato momento estou só em um dos gabinetes do 5º andar – mais uma vez. Houve situações em que esse lugar parecia uma sala de jogos: tudo escuro ao redor com uma grande mesa ao centro bastante iluminada. No caso, só faltariam os jogadores – fiz um pequeno parêntese a título de bom humor. Curiosamente, na noite de hoje, o ambiente está totalmente iluminado. Mas, onde estão os demais jogadores?
Nos tempos do mestrado, havia uma efervescência da qual me recordo com alegria. Um engajamento, uma mistura positiva que não ocorre aqui, ao menos por enquanto. No atual momento estamos cada um por si, a não ser que seja necessário conduzir um tema durante a aula, em dupla ou trio – o que torna a comunhão obrigatória. Porém, isso é pouco. Entretanto, transitar para uma realidade de maior cooperação não é algo de que eu deva desistir.
Ainda, é preciso considerar que a periodicidade da oferta das aulas ocasiona um certo afastamento entre os colegas. Refiro-me a concentração das aulas em uma única semana. Porém, entendo que esse formato é ótimo e oportuno, pois permite o melhor gerenciamento da rotina de cada um. É excelente a concentração de disciplinas em uma semana única, com aulas no período da noite. A questão é adaptar-se a essa realidade a ponto de torná-la ao máximo proveitosa para os estudos e aprendizados.
Prosseguindo, a partir do momento em que me decidi pelo doutorado, tudo mudou significativamente. Minha agenda precisou ser reorganizada. O tempo compartilhado com minha esposa e filha reduziu. No trabalho passei a seguir o Princípio de Pareto – direcionando meus esforços para os 20% (de ações) que geram 80% de resultado. Reservei as noites de terça e quinta, e ao menos um sábado por mês, para realizar a permanência de estudos no PPGA. Fico atento às movimentações do grupo de pesquisa. Além disso, estudo em casa e em alguns intervalos no trabalho também.
Enfim, entendo a natureza do compromisso. Cursar o doutorado é uma decisão voluntária, e antes disso um privilégio, especialmente para pessoas com o meu histórico de vida – oriundo de família numerosa, pobre, via de regra sem estudos e com poucas perspectivas de progresso material e intelectual. E para finalizar, retorno a ele, o tal do progresso.
Para mim é essencial progredir. Avançar para além da posse do necessário em todos os sentidos, mesmo que eu tenha hoje o que me baste. Conhecimento é, em alusão a Ferreira Gullar, “soprar espírito na matéria.”
Não tenho a menor disposição em ser uma criatura estática. Meu propósito de vida é visualizar meus limites e superá-los. Estar aqui, além de uma bela oportunidade, é experiência de renovação para a vida como um todo.
Para mim as expectativas em relação ao aprendizado sempre foram altas, acredito no poder de transformação do indivíduo e da sociedade por meio do conhecimento, e a pós-graduação - mestrado no meu caso - é transformadora. Quando iniciei, lembro que passei os primeiros meses refletindo sobre minha existência, minhas capacidades, meu lugar no mundo e se estava preparado para isso. No final das contas, preparado ou não, a adaptação para acompanhar o ritmo do curso, o que nunca é fácil, mas é necessário e muito útil. Aprende-se em poucos meses o que poderia ser postergado por anos e isso mudo o modo de vida.
É uma experiência que exige viver a pós-graduação, uma vivência profunda e complexa, que precisa de imersão. Não há como entrar em um curso de mestrado ou doutorado e sair diferente de como você era antes dele. São momentos de conhecer visões de mundo tão variadas, e mergulhar em uma ou mais delas. É um momento de expansão do sujeito, um lugar de escolher ou calibrar a lente com que se olha o mundo e adquirir um tato mais sensível para tratar das organizações.
Como tudo na vida, há bons momentos, assim como perrengues. Os melhores momentos são os que promovem reflexões emancipatórias e trocas de experiências, ficar no campus da Positivo ótimo também, o ambiente favorece a concentração. Os momentos mais sofridos são os desesperos para entregar no prazo atividades que demandam mais tempo do há disponível. É um processo árduo, que exige motivações próprias e fortes, de modo que talvez o segredo seja entender a pós-graduação como um processo transformador de si próprio, de uma experiência que precisa ser vivida e que no final das contas vale cada momento.
Vitor Adalberto Ferreira